Em tempos de crise, são cada vez mais as pessoas que querem reaver bens e dinheiro de maneira rápida e justa. Mas as pessoas têm cada vez menos bens que possam ser penhorados.
Quem o diz, sob anonimato e à Renascença, é um solicitador de execução, uma profissão em ascensão, pois é quem ajuda a cumprir as decisões dos tribunais executivos, que sentenciam penhoras de bens ou salários e fazem a justiça em casos entre quem deixou de pagar e quem ficou com prejuízo.
“Cada vez é mais difícil encontrar bens para penhorar”, afirma.
Só no último ano, os agentes de execução tiveram em mãos mais de 255 mil processos. Mesmo assim, menos 10 mil do que em 2011.
São, na sua maioria, casos de falta de pagamento de rendas, condomínios, falta de pagamentos aos bancos, falhas no pagamento da água, luz e telecomunicações. No total, os valores em cobrança rondavam no último ano os cinco ou seis mil milhões de euros.
Para tentar agir o mais rápido possível, os solicitadores de execução aguardam mudanças: “Esperemos que as penhoras de saldos bancários se tornem uma solução efectiva. Até agora, temos de ter um despacho judicial para realizar esta penhora”.
JUSTIÇA POUCO ACESSÍVEL
Numa altura em que toda a gente quer reaver bens e dinheiro em falta, não é fácil recorrer à justiça.
“É relativamente caro e há um fenómeno que é desmotivar que sejam intentados processos de valores extramente reduzidos”, afirma o solicitador anónimo, explicando: “alguém que tenha uma dívida de 200 ou 400 euros, tem de ponderar seriamente se avança para o processo executivo. Para dar entrada ao processo, tem de pagar uma taxa de justiça que são 22,25 euros e pagar ao agente de execução 127,5 euros”.
O recurso aos tribunais não está, portanto, ao alcance de todos os bolsos, sendo que o processo pode terminar perante a falta de bens para penhorar.
A Renascença foi também ao encontro de quem está a braços com um caso nos tribunais, para tentar perceber como correm as coisas e que adjectivos são hoje usados para descrever a justiça.
No Campus da Justiça, em Lisboa, “Cecília Melo” tenta, desorientada, encontrar o tribunal que consta da notificação que recebeu em casa. Aos 80 anos, enfrenta aquilo que jamais esperou: uma penhora que lhe retira todos os meses uns euros à reforma desde 2007.
“Um solicitador, que me tirou da conta, sem mais nem menos, 17 mil euros. E continua a tirar. Hipotecou o meu andar e não sei porque é que me foi lá buscar o dinheiro. Era sobre dívidas, no meu andar, de 2003 e 2004 e eu comprei o andar em Abril de 2005”, explica.
Conta que escreveu desesperada ao tribunal a pedir ajuda. A fúria do desamparo levou-a a dirigir uma carta pouco simpática à juíza, que a sentou no banco dos réus com um processo.
Ainda no Campus da Justiça, uma testemunha sai do tribunal, depois de uma hora e meia à espera… para nada.
“Já tinha vindo testemunhar neste processo. Chamaram-me novamente, estive aqui hora e meia e fui dispensada. Já vim aqui, ao mesmo processo, três vezes”, conta.
Do lado “técnico, a investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça Conceição Gomes admite que, “apesar de tantas mudanças que ocorreram na sociedade, com computadores e novas tecnologias, [a justiça portuguesa] funciona da mesma maneira que há 30 anos”.
A justiça continua, assim, a ser descrita com adjectivos negativos, apesar das reformas que tem vindo a sofrer.
A sessão solene de abertura do ano judicial decorre esta quarta-feira, numa cerimónia em que tem a Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, como protagonistas.
Fonte: http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=94751
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